Quase 30 anos depois do começo da imigração de brasileiros descendentes de japoneses para o Japão, os filhos desses imigrantes começam a atingir postos que seus pais jamais imaginaram no país asiático.

Os primeiros decasséguis chegaram ao Japão na década de 1990 – a palavra em japonês significa ‘trabalho fora de casa’
Há um aumento de imigrantes brasileiros no Japão que está começando a alcançar postos inacessíveis a seus pais quase três décadas após o início da migração ao país asiático. Hoje, cavam espaço como professores, artistas e executivos de empresas.
Oficialmente, o Japão não admite imigrantes. Mas em 1990 o país mudou a lei para poder receber mão de obra formada por descendentes de japoneses até a terceira geração, e ofereceu-lhes visto de residência permanente. Conhecidos como decasséguis, eles sempre tiveram sua imagem associada ao macacão das fábricas. E embora sejam considerados imigrantes, continuam estrangeiros e não têm obrigação de matricular as crianças na escola.
Quando os filhos conseguem atuar em profissões também visadas pelos japoneses, acabam despertando o interesse da imprensa local, porque é como estivessem seguindo um caminho não natural ao seu destino. Ou seja, longe das fábricas e do trabalho braçal.
Com o diploma universitário obtido em uma das quase 780 universidades do Japão, essa geração de jovens filhos de “imigrantes” também chamam a atenção dos japoneses pelo ineditismo de suas conquistas.

Renan Eiji é o primeiro brasileiro a obter uma licença para advogar no Japão
É, por exemplo, o caso de Renan, que migrou ao Japão com oito anos acompanhando a mãe Regina. “Como ela trabalhava muito na fábrica, depois da aula eu ficava sozinho em casa assistindo a seriados policiais pela TV. Acho que isso despertou em mim o interesse por Direito”, diz.
Para ascender profissionalmente, ele conta que precisou se esforçar em dobro em relação aos japoneses. Conseguiu vaga na universidade pública de Aichi, onde se formou em 2014, e depois a aprovação para a Ordem dos Advogados.
A intenção no início era ser promotor ou juiz. Desistiu, porque não queria trocar de nacionalidade, e resolveu se tornar advogado, profissão que passou a ser permitida aos estrangeiros desde uma mudança feita em 1977 pela Suprema Corte japonesa. Renan quer atuar na área de Direito do Trabalho para ajudar os estrangeiros, principalmente os brasileiros no Japão.
Vida acadêmica
Dados do Ministério da Justiça do Japão estimam em 2,5 milhões o número de estrangeiros residentes no país, sendo que 196.781 são do Brasil. Desse total, mais de 20% são jovens com até 18 anos. Mesmo tão novos, muitos se encontram trabalhando em fábricas, como seus pais. Outra parcela também decidiu seguir a vida acadêmica e tomar outros rumos profissionais.
A via-crúcis percorrida por Renan até a faculdade é muito parecida com a de outros conterrâneos que entraram em escolas japonesas sem saber quase nada do idioma. No Japão, a criança é matriculada sempre na série correspondente à idade. Quanto mais velho for o aluno recém-chegado, maiores serão as dificuldades que enfrentará. O jovem advogado diz que a barreira linguística impede o estrangeiro de exercer seus direitos, por isso a importância de estudar o idioma local, por mais difícil que ela seja.

Rodrigo Igi foi um dos primeiros brasileiros a se tornar professor no Japão
Porém, apesar do longo tempo de permanência no Japão, muitos brasileiros avançaram pouco no aprendizado da língua, mantendo-se fechados na roda de amigos com quem só se comunicam em português.
Levantamento feito pelo Ministério da Educação do Japão em 2017 identificou 34.334 alunos estrangeiros e 9.612 japoneses (de famílias internacionais ou crescidas no exterior) que precisavam de assistência especial na escola, devido à dificuldade de se comunicar e entender o idioma japonês. Entre os estrangeiros, 25,6% eram crianças falantes nativas do português.
‘Futuro diferente’
Na época dos irmãos Igi, não existia esse auxílio que a maioria dos alunos recebe atualmente para poder acompanhar as aulas. Assim que chegaram do Brasil em 1996, Rodrigo foi matriculado na quarta série e André, na segunda série do ensino fundamental de uma escola pública de Toyokawa. Eles levaram a primeira bronca assim que entraram na classe, de tênis, pois desconheciam a existência da sapatilha de uso obrigatório dentro da escola. O segundo sermão veio na sequência, quando começaram a mascar chiclete.
“Éramos os únicos brasileiros lá e não sabíamos das regras”, lembram.
Essa fase inicial da vida escolar no Japão foi uma sucessão de broncas, zombarias pelos colegas e episódios de bullying. Eles eram tão frequentes, que após dois anos André pediu aos pais para deixá-lo ficar em casa ou então ir para uma escola brasileira que começava a surgir na região. “Meu pai insistiu para que eu continuasse, porque só assim poderia ter um futuro diferente das fábricas no Japão”, diz.
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